Como ensinar leigos a suspeitar de depressão usando raciocínio bayesiano simples
Como ensinar leigos a suspeitar de depressão usando raciocínio bayesiano simples
Quando queremos ajudar alguém a identificar sinais de depressão em conhecidos, não pedimos para a pessoa diagnosticar — isso é trabalho do psiquiatra.
O que podemos ensinar é:
“Como pensar em probabilidade e suspeita clínica, para saber quando vale a pena encaminhar alguém para avaliação.”
Para isso, o pensamento bayesiano ajuda muito.
1. O que é o pensamento bayesiano (explicação para leigos)
O raciocínio bayesiano é basicamente isto:
Antes de fazer um teste, já existe uma chance de a pessoa ter a doença — essa é a probabilidade pré-teste (que pode ser a prevalência na população geral quando não temos informação específica da pessoa).
Depois do teste, essa chance aumenta ou diminui conforme o resultado.
Ou seja:
- Primeiro pensamos “qual a probabilidade inicial?”
- Depois perguntamos “o resultado do teste muda essa probabilidade para cima ou para baixo?”
2. Primeiro passo: a probabilidade inicial (ou a prevalência)
No Brasil, cerca de 15% das pessoas vão ter depressão alguma vez na vida.
Isso significa que, antes de qualquer teste, se você escolher alguém aleatoriamente:
Há aproximadamente 15% de chance de essa pessoa ter depressão.
Isso é importante porque testes nunca começam do zero.
Eles confirmam ou descartam algo que já tem uma probabilidade inicial.
3. Sensibilidade e especificidade (para entender o que o teste faz)
Usando como exemplo o PHQ-9, um dos questionários mais usados:
- Sensibilidade (0,88) → acerta quem tem depressão, erra 12% ou 0,12.
- Especificidade (0,85) → acerta quem não tem, erra 15% ou 0,15.
Para o leigo, basta saber:
- Sensibilidade alta = teste pega a maioria dos casos
- Especificidade alta = teste não acusa doença quando ela não existe
- Sensibilidade ou especificidade de 50% ou menos não ajuda, porque equivale a igualdade de possibilidades de ter ou não ter, então não ajuda no diagnóstico.
4. O que realmente importa para o leigo: VPP (valor preditivo positivo) e VPN (valor preditivo negativo)
Aqui entra o raciocínio bayesiano aplicado.
✔ VPP – se o teste deu positivo, qual é a chance de que a pessoa realmente tenha depressão?
Com nossos números:
VPP ≈ 51%
Isso significa:
Se o PHQ-9 der positivo, a chance de a pessoa realmente estar deprimida é cerca de 1 em 2.
Ou seja, o teste não confirma depressão, mas indica que vale a pena investigar seriamente.
✔ VPN – se o teste deu negativo, qual é a chance de a pessoa realmente NÃO ter depressão?
Com os mesmos números:
VPN ≈ 98%
Isso significa:
Se o teste der negativo, a probabilidade de a pessoa não estar deprimida é muito alta.
Então o teste negativo é bem confiável para tranquilizar.
5. Como ensinar isso aos leigos de forma prática
Você pode usar um exemplo muito concreto:
Imagine 100 pessoas. Pelo número de prevalência, cerca de 15 terão depressão.
O PHQ-9 vai detectar a maioria dessas 15, mas também vai dar alguns “falsos positivos” entre os 85 que não têm.
No final, quando o teste dá positivo, metade das vezes a pessoa realmente tem depressão.
Quando o teste dá negativo, quase sempre a pessoa não tem.
6. Como isso ajuda o leigo a encaminhar alguém ao psiquiatra
Você pode apresentar três regras simples:
Regra 1 – Se a pessoa está com vários sintomas E o teste deu positivo → Encaminhe.
Por quê?
Porque um teste positivo já coloca a probabilidade em torno de 50%, e se a pessoa já parecia deprimida antes, essa probabilidade sobe ainda mais.
Pensamento bayesiano:
alta suspeita inicial + teste positivo = muito provável → encaminhar.
Regra 2 – Se a pessoa está com poucos sintomas, mas o teste deu positivo → Não dá para ignorar.
Mesmo sem suspeita inicial forte, um teste positivo ainda significa que vale a pena conversar com um profissional.
Regra 3 – Teste negativo quase sempre tranquiliza, mas não se a pessoa estiver em sofrimento profundo.
VPN alto (98%) significa que o teste é excelente para excluir depressão.
MAS:
Se houver risco de suicídio, retraimento grave ou perda de funcionamento, encaminhar mesmo assim.
Uma das regras mais importantes do pensamento bayesiano é que se a probabilidade inicial é muito alta, ou seja, se a suspeita inicial é muito alta, o teste acrescenta pouco e aí é melhor já encaminhar.
Pensamento bayesiano:
suspeita muito alta pode superar até um teste negativo.
7. Conclusão
O raciocínio diagnóstico não é adivinhação.
Primeiro olhamos a probabilidade inicial (ou prevalência).
A probabilidade inicial pode ser maior que a prevalência quando se tem alguma informação além das pessoas em geral, sobre aquela pessoa específica.
Depois vemos como o teste muda essa probabilidade.
Com isso, podemos tomar decisões melhores: procurar ajuda quando necessário e evitar alarmes falsos.